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20.1.15

Um Retorno ao Obscurantismo?

O ataque ao jornal francês “Charlie Hebdo”, apesar de brutal e inaceitável, era de certa forma previsível, já que o semanário havia sofrido um atentado em 2011. Sendo um órgão de imprensa de humor irreverente, numa Europa onde é crescente a discriminação a imigrantes vindos em grande parte, de países de religião muçulmana, estará sempre visado pelos radicais do islamismo. Cartunistas mais afoitos sabiam dos riscos que corriam quando satirizavam figuras consideradas sagradas para o Islã, principalmente para os alucinados fanáticos fundamentalistas. Assim, o ato extremamente violento em si, demonstrou a fragilidade das instituições livres e a ameaça à liberdade de expressão, perante o radicalismo político e religioso de grupos extremistas, a que o mundo inteiro está exposto.

Sendo um pobre e obscuro cartunista, nordestino, nascido e envelhecido no interior da Bahia, procurando respeitar a fé, os costumes e crenças populares, sempre evitei nas minhas charges e cartuns, críticas às entidades religiosas e instituições similares, por acreditar no direito das pessoas de crer naquilo que lhes traga a paz espiritual e promova o bem-estar de seus semelhantes, desde que não sejam manipulados por líderes fanáticos e hipócritas. Por outro lado, dediquei-me ao cartunismo voltado para a charge política, principalmente por me sentir na obrigação de colocar a arte do humor gráfico a serviço da cidadania, contra os desmandos e contradições dos maus políticos. Na grande maioria das vezes tenho sido apenas colaborador, sem remuneração, fazendo charges para ilustrar textos meus, publicados nos órgãos de imprensa que me solicitam a colaboração.

O “Charlie Hebdo” começou a circular na França a partir de l970, época em que “O Pasquim”, aqui no Brasil teve seu melhor momento, publicando charges contra o regime ditatorial que censurava duramente os órgãos de imprensa. “O pasquim”, assim como o “Charlie Hebdo” era também um hebdomadário, ou seja, um jornal editado semanalmente, daí o termo “hebdo” do jornal francês. Cartunistas como Henfil, Ziraldo, Jaguar, Millôr Fernandes e outros, faziam ótimas charges de uma sutileza inteligente, que conseguiam driblar os censores de curta percepção, atingindo assim, seu objetivo de comunicar-se com o público leitor, ainda que de vez em quando, tivessem edições inteiras vetadas e apreendidas ou circulando com algumas colunas cobertas de tinta preta, por imposição da censura.

O ataque ao jornal francês é um gravíssimo acontecimento, que faz o mundo retroceder aos tempos medievais do obscurantismo, quando os livres pensadores, sábios, poetas e artistas eram condenados à morte, porque contrariavam os conceitos estabelecidos por aqueles que se consideravam donos da verdade, cuja mentalidade os impedia de aceitar quaisquer novas idéias que ameaçassem mudar os valores políticos, culturais e religiosos da época. Entretanto, não é ridicularizando a fé e as crenças de outros povos, gerando intolerância e discriminação, o que resulta nessas brutais reações dos fanáticos, que alcançaremos a paz almejada por todos.

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