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2.6.13

Homenagem: Ana das Carrancas

* 18.02.1923
+ 01.10.2008

Nascida em 18 de fevereiro de 1923, em Santa Filomena, distrito de Ouricuri, à sombra da serra do Inácio, na divisa de Pernambuco com Piauí. Tendo sido batizada com o nome e de Ana Leopoldina Santos. Desde menina criou intimidade com a arte, herança de mãe louceira, com quem aprendeu a moldar o barro que lhe servia de sustento. Aos sete anos, em sua cidade natal, Ana Leopoldina já ajudava sua mãe a fazer louças de barro. Daí ela foi pegando gosto fazendo panelinhas, bois zebus, cavalinhos e santos para lapinha. Aos vinte e dois anos, casou-se com um pedreiro, enviuvando quando já tinha duas filhas. Um ano depois casou-se com o marido atual, o piauiense José Vicente de Barros, quando morava em picos.
Migrante, partiu em busca do rio. Crendo muito em seus santos, encontrou-os todos no Velho Chico, a longa estrada de água que se fez abrigo à sua imaginação e criatividade. Logo que chegou a Petrolina pediu a São Francisco de chagas e a padre Cícero que mostrasse uma forma de ganhar dinheiro, pois estava sofrendo com a concorrência de outras louceiras. Nos anos 60, Petrolina viveu uma série crise de barro que obrigou a muitas louceiras, a optar por outras alternativas para viver. Ana foi a primeira a enxergar o velho Chico como a solução para a escassez daquele produto. Foi embaixo de um pé de mussambê, planta típica do sertão, que a história de Ana das carrancas começou. As feições das carrancas, talhadas até hoje pela artista, foram conseguidas enquanto ela agradecia pelo barro encontrado às margens do rio. Sentada à beira rio, fez um barquinho de barro e colocou o nome de gangula. Pensou: – “Nesse barco viaja um velho com um menino pra vender jerimum. Botei um velhinho dentro com os jerimuns, uns bolinhos de barro para fingir que era jerimum; e o menino. E fiz a cobertinha de barro, pensando que era palha, e a carranca na frente”. (deu sorte).
As primeiras peças da futura Ana das carrancas, posta à venda na feira livre de Petrolina; foi motivo de piadas dos outros comerciantes. Diziam que era coisa de doida, de uma idiota. Foi em 1963 que ela começou a fazer carranca para a inauguração da Biblioteca Municipal, que foi distribuída, como souvenir. – “Eu botei o nome de carranca porque carranca é um bicho feio. Eu fazia peça feito um animal com aquela cara feia. A lenda diz que é para espantar os espíritos. Mas faço como um símbolo do São Francisco. Não penso em espírito. Eu, graças a Deus, nunca fui nem em terreiro. Então não devo incutir em ninguém que isso seja pra espantar espírito. Não é que eu ache que não exista. É porque não devo agravar o espírito. Não sei se ele é bom ou ruim. Eles são invisíveis. A gente não está vendo eles, mas eles estão vendo a gente. Assim, não devo atacá-los. Eu faço carranca por amor.“ (Relata).
Nas carrancas de Ana, há uma variação no material e forma, mas não perde o zoomorfismo. Há sempre em suas carrancas uma mistura de animal e homem; leão, jaguatirica, cavalo, guará e etc. Numa galeria de tipos que segue o ritmo da sua própria imaginação. Há um lento processo na transformação do seu trabalho. A exemplo dos olhos das primeiras carrancas que eram arredondados e depois foi se alongando. O cabelo, varia a forma de trabalho pra trabalho. Também notamos suas carrancas em forma de cinzeiros, vasos, mesas, barcos, numa combinação bastante original. Mas talvez a grande mudança ocorrida em suas figuras tenha sido o furo nos olhos, um tributo comovido a seu marido cego, fato ocorrido em 1973 que persiste até os dias atuais. Marca essa, que as deixam com ar de melancolia, a pesar de sua aparência rude.
Ana Leopoldina ganhou fama ao ser “descoberta”, por volta de 1970, pelos técnicos em turismo Olímpio Bonald Neto e Francisco Bandeira de Mello, assessores do então presidente da EMPETUR, Eduardo Vasconcelos, que viajavam pelo sertão, em trabalho de pesquisa sobre o artesanato pernambucano. “Suas carrancas nos impressionaram” conta Bonald.
Artista popular internacionalmente conhecida, tem um verdadeiro amor a uma terra que há 40 anos lhe concede a fartura da argila. Que por todo esse tempo de vida às exóticas figuras das carrancas. Essas figuras monstruosas, ao mesmo tempo homem e animal, estão impregnadas de mistério, de crendices, lendas e outros mitos que enriquecem o folclore. Com suas peças em galerias, museus e coleções particulares, conseguiu com sua força atingir às exigências da arte rústica, com seu currículo repleto de congratulações, homenagens, troféus, medalhas e tendo o prazer de ostentar o troféu do Conselho Municipal de Cultura de Recife como personalidade que se destacou nas artes. 

Ana Leopoldina Santos durante sua trajetória, foi chamada de vários codinomes; Ana Louceira, Ana do Cego, A Dama do Barro. Mas o nome Ana das Carrancas aflorou sua fama, levando ele e o de Petrolina, para participações em encontros de artesanato nacionais e internacionais, chamando atenção de apreciadores de todo o mundo.
Ana é guerreira. Fazendo suas carrancas com o amor de uma mãe que embala o filho. Como artista que espera ao pé do fogo, a queima das peças, que tem horas de uma espera eterna, revolvendo estórias, refazendo planos, se transformando.
Mais importante para a artista é que digam que ela é do povo. Quando não estiver mais na terra, Ana quer que seus seguidores, principalmente suas duas filhas, Maria da Cruz e Angela Lima com quem divide a arte, a luta e o sonho, que trabalhem com vontade, fé e esperança. Que não deixem a arte nunca morrer, principalmente as carrancas do São Francisco.
Sempre com uma mensagem, ressalta a eternidade de sua arte. “Quando Jesus me chamar, espero estar preparada pra viajar. Mas onde encontrarem o caco de uma orelha de barro, digam ao menos, que Ana passou por aqui e deixou saudades”.



















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